Da descoberta pelo olhar feminino dos primeiros cultivares aos dias atuais, a agricultura revolucionou-se. De um início onde homens e mulheres não dispunham de equipamentos e ferramentas necessários ao trabalho do plantio e da coleta de alimentos, a agricultura passa pelo uso da enxada, machado, os sistemas de cultivo temporário de derrubada-queimada, os sistemas com alqueive e tração leve e os sistemas com alqueive e tração pesada, esse último considerado a primeira revolução agrícola dos tempos modernos, que teve seu desenvolvimento estreitamente ligada à Revolução Industrial, já que foi necessário o desenvolvimento industrial, comercial e urbano para absorver o excedente agrícola comercializável.
A primeira revolução agrícola foi além das modificações dos tratos culturais, transformou também a ordem econômica, social, política, cultural e jurídica. Já que para a ocorrência dessa, foi necessário suceder um vasto conjunto de reformas sobre o livre uso da terra, a liberdade de empreender e comercializar, e a livre circulação de pessoas e bens. Havendo desse modo a criação de um monopólio regional/territorial do que até então tinha sido coletivo e similar para ambos os gêneros.
E com base nesse sistema que já restringia o acesso dos/as pequenos/as agricultores/as às terras e aos meios de produção, ao longo do século XX, com o uso de insumos, motorização, mecanização, fertilização mineral, seleção e especialização, ocorre a segunda revolução agrícola dos tempos modernos ou Revolução Verde como ficou conhecida. Apoiada nos meios de produção oriundos da revolução industrial, esse novo sistema de produção que necessitava de estabelecimentos rurais com capital necessário para adquirir os insumos externos - que viria substituir por máquinas a mão de obra - gerou pacotes tecnológicos, endividamento das famílias, êxodo rural e o aumento da concentração de terra nas mãos dos grandes produtores, em especial nos países em desenvolvimento.
A Revolução Verde que surgiu com a promessa de erradicar a fome no mundo, em verdade levou à eliminação progressiva dos estabelecimentos agrícolas menos equipados e menos produtivos. Resultando em grandes desigualdades de renda do trabalho entre estabelecimentos e entre regiões, desigualdade na densidade populacional agrícola e rural, com o abandono de regiões inteiras, assim como a perda da diversidade agrícola que passa a ser mónos. Monocultivos. Monocromáticos.
Nessa monocromia, onde as novas tecnologias substituiram o trabalho que era feito à mão, levando a diminuição do número de pessoas empregadas na agricultura, fez também com que os homens assumissem o papel de investir no aprendizado das novas tecnologias, realização de cursos técnicos rurais, realização das vendas e contato com os bancos, assim como participar das organizações da sociedade civil. O cenário de desvantagens que já era vivenciado por grande parcela das mulheres rurais, ganhou expressão com a Revolução Verde que se deu de forma conservadora, onde potencializou produtores capitalizados, promovendo um gradual distanciamento das mulheres das práticas agrícolas.
Em mais uma tendência mónos, a Revolução Verde, fortaleceu a divisão sexual do trabalho iniciada na Revolução Industrial, realizando um casamento monogâmico, com um único gênero, o masculino, já que, com a adesão as novas tecnologias as mulheres foram relegadas à esfera doméstica. A “revolução” da monocultura, avigorou a exclusão das mulheres rurais, não apenas dos espaços decisórios, mas, principalmente, dos sistemas produtivos, em especial dos mercados. Essas passam a ter menos autonomia, voz, intervenção e poder de decisão em seu grupo familiar, bem como menores possibilidades do que os homens de serem eleitas como representantes dos espaços de decisões, em especial devido a excessiva carga de trabalho, que além de todo o trabalho doméstico executa parcela significativa – invisível – dos trabalhos das atividades rurais. Resultando assim num monólogo de gênero.
De forma monárquica – onde apenas uma pessoa governa - os homens passam a administrar os recursos oriundos das atividades rurais, mesmo com a participação efetivas das mulheres, que segundo dados estatísticos representam 43% da mão de obra agrícola do mundo, em particular das indígenas, afrodescendentes, migrantes e camponesas. Valendo a ressalva que o trabalho feminino nessa área alcança a cifra de 70% em alguns países. As mulheres rurais são as responsáveis por entre 60% e 80% da produção mundial de alimentos. No Brasil, de acordo com Censo Agropecuário de 2006, 45% dos plantios e colheitas são realizadas pelas mãos femininas, onde 12,68% dos estabelecimentos rurais têm mulheres como responsáveis, bem como 16% dos estabelecimentos da agricultura familiar.
No entanto, a partir dos anos 1970-80, o modelo de forma única, que não só não admite a diversidade de formas e cores como as elimina, que levou a extinção de valores culturais, alimentares e formas de vida, que exclui a participação do gênero feminino em diversos âmbitos - em especial dos mercados – fortalecendo o patriarcado, reforçando as inúmeras violências contra as mulheres rurais e urbanas passa a ser questionado pelos movimentos feministas e de agricultura alternativa, que reivindicam novos formatos produtivos, que possam resgatar a diversidade de cores, sabores, valores, culturas, espécies, tamanhos, associações, inclusão de gênero, coletividade e a sororidade. Surgindo daí uma verdadeira revolução. A Revolução Agroecológica! Nosso texto de Feliz Ano Novo!!!
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FONTES CONSULTADAS
Agroecologia: Potencializando os papéis das mulheres rurais – Fabiana da Silva Andersson, Nádia Velleda Caldas & Catia Grisa, Santa Cruz do Sul, 2017
Luchadoras: mujeres rurales en el mundo – San José, 2019
História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea – Marcel Mazoyer & Laurence Roudart, Brasília, 2010.
15.12.2019