Como vimos no artigo anterior, as mulheres através das conexões com o lado feminino do universo - Terra - foram as protagonistas do surgimento da agricultura, e, por conseguinte das primeiras sociedades. A domesticação das plantas tem diversos centros de origem, como por exemplo: Centro Indiano, Centro Asiático Central, Centro Chiloé, Centro Mexicano do Sul, entre outros. Para esse artigo, vamos seguir os passos da nossa ancestral mais antiga já encontrada, Lucy, que viveu onde hoje temos o Centro Abissínio, passando pelo Centro Mediterrâneo, Centro Chinês, Centro Sul Americano e finalizando no Centro Brasileiro Paraguaio.
Antes de mais nada, é preciso ponderar, que não temos nenhuma pretensão de esmiuçar todas as características desses povos, apenas nos atentaremos as informações que revelam a participação das mulheres na agricultura. E o que foi possível observar passando pelas sociedades desses centros de origem é a força, beleza, poder e mistério do Sagrado Feminino, que presenteou a humanidade com amor, perdão e compaixão, todos eles resguardados no coração das mulheres.
E foi no coração das mulheres africanas que originou o despertador natural e provedor do bom humor humano – o café. Além de grãos como cevada, sorgo, mamona e o quiabo que foram domesticados no Centro Abissínio. As mulheres sempre se fizeram presentes nos Impérios parte desse centro de origem, onde é possível listar as Rainhas Yodit, Worquitu, Eleni, a Imperatriz Tait, e as Candace – rainhas mães da realeza africana. Não esquecendo da deusa criadora, Ísis, presente também nos reinos africanos, e que herdou a função de Deusa agrária da fertilidade. De acordo com estudiosos, a organização social e política dessa sociedade tinha como base a matrilinearidade, onde a base organizativa estava centrada na família e com uma mulher à frente. Nessas civilizações as atividades femininas, garantiam o sustento da coletividade, enquanto os homens caçavam, pescavam e/ou estavam em guerra.
Graças à Deusa Ishtar símbolo da natureza e da fertilidade das culturas que compõe o Crescente Fértil, onde está localizado o Centro Mediterrânico de origem, a humanidade foi agraciada com o aroma, sabor e cor do alho, cebola, mostarda, beterraba, alface, aspargo, nabo e lentilha. Os Assírios, Sumérios, Amoritas, Caldeus, Acádios - povos mesopotâmicos – desenvolveram uma agricultura que passou a exigir muita força física o que fez com que as mulheres fossem desvalorizadas enquanto trabalhadoras do campo. Contudo, essas mulheres mantiveram a sua relação de trabalho com a agricultura, exercendo as atividades de colheita, processamento e beneficiamento de produtos agrícolas. Mesmo afastadas do trabalho braçal da agricultura, elas sempre mantiveram uma relação intima com a natureza e a produção agrícola.
Foi na intimidade com a natureza, as margens do Rio Amarelo, aproveitando a poeira fina e amarela que fertilizava as terras durante as secas, que se desenvolveu o Centro Chinês, onde dentre outras espécies foram domesticadas os Citrus, a pera e o arroz. A deusa Nuwa que seria a criadora dos seres humanos e salvadora da terra em momentos de calamidades, o culto da Terra - vista como feminina, e os numerosos contos nos quais as mulheres são heroínas, pouco ou quase nada temos em mão para compreender a história da mulher na agricultura nesse que é considerado o maior e mais antigo centro de origem. Contudo, quando analisamos elementos da cultura chinesa como a relação Yang e Yin, de equilibro entre o masculino e o feminino, ousamos acreditar que nas dinastias iniciais houvera uma harmonia entre o poder masculino e feminino, e com isso a participação das mulheres também nas atividades realizadas no campo.
A dificuldade em descortinar a presença feminina no meio rural chinês não é vista nas sociedades americanas, onde é fácil perceber a influência das mulheres no desenvolvimento da agricultura. Um desses exemplos é o Império Inca, que deu ao mundo um dos seus principais grãos, o milho. Os Incas domesticaram também, feijão, cacau, goiaba e fumo no Centro Sul Americano. Nas terras das quatro regiões ou Tawantinsuyo, as mulheres tinham efetiva participação na sociedade sejam elas deusas (huacas), governadoras (coyas), sacerdotisas e detentoras de terras, gados, sementes e lãs (acllas), sábias (layqas) guerreiras, médicas ou heroínas. As crônicas sobre as mulheres Incas, mesmo sob o olhar reparador dos colonizadores que não se acanhavam em recompor as diferenças, e apagar as “estranhezas” aos olhos do mundo “moderno” as retratavam como mulheres com poder e participação efetiva em todas as esferas da sociedade incaica. Como relatam alguns historiadores, o poder nos Andes resultava do controle e da distribuição da produção agrícola que era realizada tanto por homens como por mulheres. Os povos andinos, descreviam Mama Huaco – Mãe da Dinastia Inca – como uma mulher forte, guerreira e varonil, conquistadora de terras férteis, sendo ela quem primeiro cultivou o milho. Salve!!! Salve!!! Mama Huaco que nos ofertou o cuscuz. Partindo das deusas femininas, como a Pachamama, mãe e protetora dos animais e plantas que nela habitam, e a Mama Cocha – Mãe Mar – protetora dos peixes, as mulheres Incas sempre foram retratadas como as provedoras dos alimentos dessa sociedade.
Cuscuz é bom, mas, beiju é dos deuses. Melhor da Índia Mani – que morreu muito jovem e foi sepultada dentro da própria oca, de onde nasceu uma planta cuja raiz era marrom por fora e por dentro tinha a mesma cor branca de Mani, a Mandioca – Oca de Mani. O Centro Brasileiro Paraguaio domesticou amendoim, castanha do Pará, caju, abacaxi, chá mate, maracujá, jabuticaba, entre outras espécies. Nas culturas indígenas no que se refere a produção agrícola aos homens concernia as tarefas de derrubada, destoca e queima da vegetação para o plantio e às mulheres o cultivo, a colheita e o processamento. Importante destacar que essa distribuição das tarefas não inferiorizava nem aos homens, nem as mulheres. Já que as vozes masculinas e femininas decidiam juntas.
O que podemos perceber nessa caminhada pela história das mulheres na agricultura é que a importância do papel feminino para a produção agrícola foi sendo apagado das narrativas e da memória, ao tempo que expandia as sociedades patriarcais que supervaloriza o trabalho masculino e transforma em simples ajuda a ocupação feminina, desvalorizando o mesmo neste e em outros espaços até os nossos dias. E é com essa inquietação de revelar a força da mulher rural ao longo da história agrária, que nos despedimos, com Iracema a Virgem dos lábios de mel tirando da terra o licor para seu amado, e, seguimos a trilha das agricultoras do período Feudal no próximo artigo. No primeiro dia no último mês do ano nos encontramos. Inté!
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FONTES CONSULTADAS
Rainhas, espiãs e soldados: a história das mulheres etíope nas atividades militares. Tesday Alehegn, São Paulo, 2010.
De Cunhã e mameluca: a mulher tupinambá e o nascimento do Brasil. João Azevedo Fernandes, João Pessoa, 2016.
Por uma história do possível: o feminino e o sagrado nos discursos dos cronistas e na historiografia sobre o “Império” Inca. Susane Rodrigues de Oliveira, Brasília, 2006.
A mulher no Oriente antigo: Mesopotâmia – Parte 1 - https://contrapondoideias.wordpress.com/2011/03/20/a-mulher-no-oriente-antigo-mesopotamia-parte-1/ Acessado em 10 de novembro de 2019.
Mani: A lenda da Mandioca - https://www.xapuri.info/cultura/mitoselendas/mani-lenda-da-mandioca/ Acessado em 10 de novembro de 2019.
Como a história de africanas instiga a repensar o papel da mulher na sociedade - https://www2.ufjf.br/noticias/2016/03/04/como-a-historia-de-africanas-instiga-a-repensar-o-papel-da-mulher-na-sociedade/ Acessado em 08 de novembro de 2019.
Para uma história da Mulher na China - http://sinografia.blogspot.com/2008/04/para-uma-historia-da-mulher-na-china.html Acessado em 08 de novembro de 2019.
15.11.2019