NOZ MOSCADA – A PODEROSA SEMENTE DOS ALQUIMISTAS


A primeira lembrança que tenho da noz moscada é em São Paulo na casa do Bernardo Pellegrini, na década de 90, quando ainda era criança e encontrava a turma toda vivendo em comunidade na Vila Madalena. Lá, conheci nessa época Naiara Assunção (filha do Pinduca, poeta e jornalista), que tinha um colar com uma noz pendurada e em meio às brincadeiras roía com os dentes a tal semente. Lembro-me bem do aroma. E eu muito curiosa perguntei, por quê? Ela que era ainda mais nova que eu, respondeu que quando ficava nervosa roía à semente para se acalmar. Essa lembrança nunca me saiu da memória. Com o tempo, descobri que para além dos benefícios sobre o sistema nervoso, a noz moscada é imprescindível também em algumas receitas maravilhosas.

Sempre me atraiu a magia e o encantamento que se sente ao ralar a semente e interagir com a explosão de aromas que a fricção provoca. Em minha cozinha há sempre um pote de noz moscada ao lado dum pequeno ralador – e a semente está sempre à disposição para se somar com o que costumo chamar de “família aromática”: a cebola, o louro e o cravo.

Estamos tratando de uma árvore de ciclo perene, a Myristica fragrans, que tem o nome popular de Moscadeira e alcança de 5 a 13 metros de altura. A casca tem a seiva vermelha ou rosada e as suas folhas são verdes escuras, com a parte superior brilhante. O curioso sobre as flores é que possuem sexos separados, são amarelo-claros e em formato de sino. As femininas nascem solitárias ou em grupo de três e as masculinas em grupos de até dez flores. Frondosa e sempre-viva, nativa das ilhas Bandas, também chamadas de Ilhas das especiarias, na Indonésia, produz um fruto que gera duas especiarias distintas: a noz moscada e o macis que é o arilo que envolve a semente, vermelho claro que aparece primeiro quando a fruta se abre. Embora seu processamento ainda seja feito a mão, ambas representam um grande negócio em diversas partes do mundo. O macis tem sabor similar a semente, mas um pouco mais suave.

Ingrediente que não podia faltar no laboratório dos alquimistas, a noz moscada tem propriedades que auxiliam na remoção de substâncias tóxicas do organismo, trazendo benefícios para o fígado e os rins. A presença de vitamina B em sua composição deixa mais ativo o sistema nervoso, auxiliando no enfrentamento da depressão e ansiedade – e até na prevenção do mal de Alzheimer. As pesquisas mais recentes na área da Nutrição colocam a noz moscada na categoria dos alimentos funcionais, um aliado da saúde que com seus componentes químicos auxilia na prevenção do envelhecimento celular, agindo como antioxidante. A ingestão de pequenas quantidades diárias desencadeia processos de defesa do organismo, ampliando a produção de ácidos digestivos estomacais. Esses ácidos contribuem para uma boa digestão e auxiliam também para que os nutrientes sejam absorvidos de forma mais harmônica.

Essa noz pra lá de especial tem propriedades alcalinas. O corpo humano apresenta desequilíbrio químico entre ácidos e bases, com tendência para a acidez. Isso se deve ao estresse, à vida sedentária e à falta de descanso, problemas típicos da vida moderna agravados pela má alimentação. Essa condição ácida nos predispõe a infecções e à baixa resistência contra doenças.

Em quantidades muito grandes, as propriedades alucinógenas da noz moscada podem torna-la tóxica. Ela não aparece com muita frequência na cozinha brasileira, mas todo mundo já conhece. De sabor marcante, seu consumo não pode passar de algumas gramas diárias, pois pode causar alucinações até em adultos. E o principal alerta diz respeito à gestação: mulheres gestantes não devem consumi-las, pois tem propriedades abortivas.

Não poderia deixar de citar que muitas especiarias exercem também um poder de atração quando utilizada na alimentação, por ter características como sabores e aromas. Assim, o aroma é absorvido pelos nervos olfativos e segue diretamente para o cérebro, atingindo o hipocampo, área relacionada ao comportamento, à memória e a emoção.

Seu cheiro é forte e tem uma característica floral com notas de pimenta e cravo. Na hora de compra-las de preferência a noz moscada inteira pra ralar na hora – em embalagens com a noz já moída, ela perde rapidamente o sabor. Em grãos, acondicionados em pote hermético, elas se mantém por tempo indeterminado.

No uso culinário o macis é muito utilizado no Masala, junto com outras especiarias como cardamomo, canela e grãos de pimentas. Ele combina com repolho, cenoura, queijos, frango, ovos, frutos do mar, cordeiro e uma infinidade de receitas. Já a noz moscada pode ser usada em bolo de mel e sobremesas, ponches e frutas. Fica ótimo em cozidos e na maioria dos pratos com queijos.

O clássico molho Bechamel típico da cozinha francesa, feito com manteiga, farinha de trigo, leite, noz moscada e a cebola piqué (que nada mais é que a cebola ao meio, junto de uma folha de louro e cravos espetados, retirada no final da receita), aqui no Brasil é mais conhecido como molho branco. Bastante semelhante ao que vamos ver na receita que publicamos aqui, mas nesse caso vai ser de origem vegetal.

Experimente!

ROTOLO DE ABÓBORA COM RICOTA E CREME

Feitos com sementes de girassol, taioba na cebola caramelizada e pimentas de cheiro

Rende 3 porções

Ingredientes:

  • 1 unidade de abóbora pescoço madura
  • 1 xícara de sementes de girassol
  • 2 folhas de taioba (sem o talo)
  • 2 unidades de cebolas
  • 1 colher de sobremesa de amido de milho ou araruta
  • Especiarias (açafrão da terra, pimenta do reino, páprica doce, noz moscada, louro e cravos)
  • 12 unidades de pimentas de cheiro
  • Azeite
  • Sal

Modo de preparo:
Deixar de molho as sementes de girassol por 8 hora, cobertas por água. Escorra, lave e bata no liquidificador com 2 xícaras de água filtrada, por cerca de 1 minuto ou até as sementes ficarem bem trituradas. Coe em uma peneira ou um pano limpo (uso saquinho de voal). Vamos usar tanto o líquido que chamamos de “leite” quanto o bagaço que fica na peneira. Então reserve os dois separadamente.

Nas fatias de abóbora vamos usar apenas a parte que não tem sementes, e pode ser substituída por abobrinha se não estiver na época da abóbora. Descasque e fatie utilizando uma faca ou um fatiador como o mandolin. Precisamos de 6 a 8 fatias. Tempere com sal, pimenta e alecrim e grelhe rapidamente a abóbora, em uma frigideira quente e um fio de azeite. Esse processo é para ela ficar mais maleável para enrolar com o recheio e não precisa cozinhar completamente.

Lave bem as folhas de taioba, retire os talos e corte em tiras finas. Corte também 1 cebola e meia em tiras a favor das fibras, leve ao fogo com azeite e refogue até dourar bem. Acrescente a taioba e uma pirada de sal. Reserve.

O bagaço das sementes de girassol tem o aspecto de uma ricota e combina muito bem com especiarias. Vamos acrescentar pitadinhas de açafrão da terra, pimenta do reino, páprica e sal.

Agora vamos rechear a abóbora. Em cada fatia disponha a “ricota” vegetal e a taioba com a cebola caramelizada. Enrole com muito cuidado, pois a abóbora é delicada e pode quebrar. Se isso acontecer pode dispor em outro formato, com uma lasanha, por exemplo.

Pra finalizar a montagem, leve ao fogo o “leite” de sementes de girassol, com a metade da cebola que restou faremos a cebola piqué (comentada no texto acima). Ao levantar fervura acrescente o amido dissolvido em um pouco de água, mexa bem até cozinhar ganhando um aspecto cremoso. Acrescente o sal e a noz moscada. Descarte a cebola e reserve.

Disponha o creme em uma forma e por cima coloque os rotolos e as pimentas de cheiro. Regue com um fio de azeite e leve ao forno médio, pré aquecido a 200°C. Retire do forno e sirva quente.

Opiniões, dúvidas e sugestões de temas para novos artigos pertinentes à esta coluna, serão muito bem-vindas pelo email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

FONTES CONSULTADAS

NEGRAES, Paula. Guia da A a Z de plantas: condimentos. São Paulo, ed Bei comunicações, 2003.
NEPOMUCENO, Rosa. Viagem ao fabuloso mundo das especiarias. Rio de Janeiro, ed José Olympio, 2003.
NORTAN, JILL. Ervas e especiarias: origens, sabores, cultivos e receitas. São Paulo, ed Publifolha, p 159, 2012.

27.03.2020

Alquimista do Sabor



As Plantas Condimentares e a magia dos temperos naturais na gastronomia criativa.


Cozinheira desde sempre, Yoná Issa é formada pelo Centro Europeu em Curitiba, onde se fez chef de cozinha, gestora de restaurantes e sommelier. À partir de 2004 inicia sua carreira nos restaurantes de grandes hotéis em Curitiba (PR), Ilhabela (SP), Costa do Sauípe (BA) e Londrina (PR). De volta às origens pé vermelho, associa-se à sua mãe Viqui Gil e investe numa cozinha que traz bons ingredientes, sabores e emoções.
Da parceria surge o Restaurante Dona Menina, que se tornou referência na sinergia entre alimentação, cultura e modo de vida. Instalado em região central, com quintal à moda antiga, forno à lenha, pizzas artesanais e um bufê de alimentos orgânicos e caipiras cheio de conexões entre tradição e inovação, o Dona Menina fez história. E deixou como marca a reflexão e pesquisa permanentes em torno dos alimentos e seu impacto na vida moderna.
A casa funcionou de 2011 a 2019 – em sua segunda fase, como casa de pizzas e massas artesanais em novo endereço. Desde então, a Cozinha Dona Menina resiste atendendo a eventos, oferecendo cursos e promovendo encontros onde reúne e celebra a fiel clientela que acompanha sua trajetória e cultua sua culinária sempre surpreendente.
Recém-formada atualmente em Nutrição, Chef Yoná vem divulgando a pesquisa da relação intestino-cérebro, como a flora intestinal pode repercutir diretamente no cérebro e seu impacto na saúde e bem estar.

Na coluna Alquimista do Sabor, nós iremos desfrutar de todo o encantamento, conhecimento e delícias que ela vai nos trazer, mensalmente, sobre a magia das ervas condimentares.